O curioso caso do aplicativo de R$1,6 milhões que não funcionava, ou como o propósito deve vir antes da tecnologia.

Durante o mês de novembro de 2021 uma notícia sobre as prévias do PSDB me chamou a atenção: as eleições para os filiados do partido estavam paralisadas por causa de falhas no aplicativo. Até ai tudo normal, porque falhas realmente podem acontecer por inumeros fatores técnicos ou humanos, mas o que me chamou a atenção mesmo, foi quando descobri que um simples aplicativo de votação custou mais de R$1,6 milhões de reais! Fiquei intrigado sobre que tipo de app era esse, qual era a falha ou o que justificaria ter um custo tão elevado para o desenvolvimento para um fim tão básico, afinal, não estamos falando de uma nova rede social ou de um sistema para votação a nível nacional e seus 260 milhões de habitantes, era apenas um app para votação de pouco mais de 10mil filiados do partido.

 

Segundo a página oficial de download do aplicativo na GooglePlay, o aplicativo tem o seguinte propósito e funcionalidades:

O App Prévias PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), foi desenvolvido para que o partido execute a votação interna para eleger os novos candidatos, que ocorrerá no ano de 2022.
Basicamente o App tem as seguintes funcionalidades:

– Inserção dos dados de titulo de eleitor
– Validação facial
– Upload de documentos cadastrais
– Acesso aos dados dos candidatos elegíveis (Segunda fase)
– Voto no candidato escolhido (Segunda fase)
– Acesso aos comprovantes de voto (Segunda fase)
– Acesso ao resultado das eleições (Segunda fase)

Podemos reparar que são funcionalidades básicas, e as imagens que consegui do aplicativo demonstram o quão básico realmente o aplicativo é:

Como podemos justificar então esse custo de R$1,6 milhões de reais?

 

Analisando os comentários e notícias publicadas sobre o assunto, o problema do aplicativo, é uma tecnologia de reconhecimento facial, que faz com que ao realizar o upload de um documento com foto, como um RG, e depois o envio de uma Selfie, o app verifica se são a mesma pessoa. E essa foi a péssima escolha da equipe de desenvolvimento por dois motivos: o primeiro é que sem a confirmação desse reconhecimento o usuário não consegue realizar nada dentro do app, e o segundo, é que esse reconhecimento acaba causando uma carga de processamento muito grande a nível servidor.

O problema dessa escolha é que levaram em consideração a tecnologia, antes de considerar o propósito do app. Está na moda usar “reconhecimento facial”, mas o propósito do app pedia algo assim?

Pouco mais de 10 mil pessoas iriam participar da votação, e todos eles, precisam estar com seus cadastros em dia junto com o diretório do partido para poderem participar (a atualização cadastral é feita por outros canais). Isso significa que já teriamos no banco de dados do partido:

  • Nome completo, e-mail, celular, CPF e número do título do eleitor de cada filiado;
  • Foto do filiado;

Logo, não era necessário fazer o reconhecimento facial, bastava, enviar um SMS com um código de acesso para o número cadastrado e pronto: identidade confirmada.

A simples mudança no método de autenticação, iria tornar o app muito mais barato e principalmente estável.

Boa parte do valor para o desenvolvimento, foi por causa das licenças de uso para a tecnologia do reconhecimento facial, o que tornou o app instavel, sem condições de uso, e totalmente mal avaliado por quem mais interessava: os usuários, além disso, as votações do partido estão paralisadas, já que ninguém consegue realizar a validação, mesmo que, essas informações já estejam salvas na base do partido:

 

 

As tecnologias existentes que temos para desenvolvimento de soluções são incríveis e cada vez mais sofisticadas, mas não adianta usarmos elas por “usar”, elas devem estar atreladas a um propósito, o propósito sempre deve vir primeiro. No caso que vimos aqui do aplicativo das prévias do PSDB, o pecado se deu em não escolherem fazer o simples e eficiênte, que seria mais barato e funcional, e percebam que, não estou dizendo aqui para fazerem uma solução menos segura, e sim que o resultado é praticamente o mesmo, ou seja, a validação da identidade do usuário.

E para não parecer ser algo isolado, em 2018 quando eu participei do Hackathon Globo, o tema principal era o desenvolvimento de soluções envolvendo tecnologia que proporcionasse ainda mais interação do público com o conteúdo produzido pela empresa de comunicação. Uma das equipes usando impressão 3D, desenvolveu uma “mini chuteira” que quando alguém chegava perto, a chuteira emitia som, contanto curiosidades sobre o futebol brasileiro. A parte da tecnologia era impecável, impressão 3d fazendo um objeto que consegue emitir som conforme procimidade! Mas como essa solução ajudaria a Globo a ter mais interação com o público que consome os produtos da casa através de televisão, e ou disposítivos móveis como smartphones? Mas um caso de tecnologia aplicada apenas por si só sem pensar no propósito.

Até o momento em que escrevia esse texto, o aplicativo das prévias do PSDB ainda está sem condições de uso, e uma nova empresa esta sendo cotada para ou corrigir o problema ou desenvolver uma nova solução, que inclusive, a eleição das prévias do PSDB está sendo cogitada ter a data alterada de novembro de 2021, para fevereiro de 2022 para que aja tempo viável para um novo desenvolvimento de um novo app.

 

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Rodolfo Gomes

Desenvolvedor web e gestor de trafego da Primize Marketing